O tráfico de mulheres em Portugal: uma etnografia crítica da relação entre vítimas e instituições.

Ainda que a validade dos dados estatísticos sobre o assunto tinha sido questionada por vários estudos, o tráfico de seres humanos é um fenómeno que adquiriu uma importância dramática nos últimos vinte anos na Europa. Os governos e as organizações internacionais reforçaram os seus esforços para o controlar, para proteger as vítimas e perseguir os traficantes. Apesar de alguns avanços notáveis, ainda há todavia relativamente poucas informações sobre o TSH em Portugal. O enorme interesse que o fenómeno do tráfico de pessoas suscita em organizações governamentais, aparelhos do Estado e ONGs, o lugar que ocupa na opinião pública e nos media, excede em muito a compreensão teórica do fenómeno e as evidências factuais. Este défice tem graves implicações para as medidas públicas destinadas a combater o tráfico, que às vezes podem acabar por ter efeitos negativos inesperados.
As investigações até agora realizadas em Portugal oferecem descrições macro-sociológicas e estatísticas, baseadas na análise dos dados coligidos pelos órgãos institucionais que se confrontam com o fenómeno no território (serviços de fronteira, tribunais, serviços hospitalares, ONGs, policia). Sem negar a utilidade destes estudos, consideramos essencial, tendo em conta as sugestões do I Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos, uma abordagem qualitativa à questão do tráfico de mulheres em Portugal, que encare a dimensão humana do problema, focando a experiência individual e tendo como pano de fundo a perspectiva dos direitos humanos.
Com esta abordagem, visamos ir para além das perspectivas de carácter repressivo e policial, e tencionamos, a partir do estudo etnográfico das relações entre mulheres traficadas e instituições do Estado que lidam no território com as vítimas do tráfico, realçar as dimensões de violência institucional e estrutural que marginalizam a posiçaõ das mulheres e propiciam portanto o tráfico em Portugal.
 Através de entrevistas com mulheres que foram vítimas de tráfico, com técnicos e funcionários que operam neste sector, e ainda com elementos das autoridades policiais, tenciona-se em primeiro lugar questionar as actuais políticas públicas relativas ao TSH e a sua aplicação concreta, verificando a sua eficácia e realçando os seus efeitos perversos. Que tipo de experiência relatam as mulheres em relação ao seu contacto com as instituições? Qual é a resposta concreta dos técnicos e dos funcionários face às mulheres traficadas ou supostamente traficadas? Quais os elementos institucionais que dificultam o acesso das vítimas às instituições? Quais foram as consequências para elas após terem sido libertadas dos traficantes, ou após terem-nos denunciado? Estas são algumas das perguntas às quais queremos responder. Na base desta análise micro-sociológica, trata-se finalmente de delinear a posição das mulheres traficadas em Portugal através da reconstrução do seu percurso institucional, considerando os importantes indicadores de resposta dos operadores das instituições governamentais e não governamentais. De facto, consideramos a relação entre as mulheres traficadas e as instituições do Estado como um lugar privilegiado onde se manifestam concretamente os factores que estruturam a sua marginalidade propiciando a actividade dos traficantes, onde as políticas migratórias, as políticas laborais, e a subordinação dos direitos humanos no processo de criminalização do fenómeno do tráfico adquirem a consistência imediata da microfísica do poder.

Equipa de pesquisa:
Doutor Lorenzo Bordonaro (Coordenador científico)
Filipa Alvim de Carvalho (Investigadora Principal)

Migrantes e saúde mental: a construção da competência cultural.

Resumo disponível em breve...

 

Os relacionamentos bi-culturais entre brasileiras e portugueses: dimensões estratégicas e afectivo-sexuais.

O presente projecto pretende reflectir sobre os relacionamentos bi-culturais ou mistos como produtores de integração, diálogo intercultural ou amplificadores de estereótipos e preconceitos, nomeadamente entre imigrantes brasileiras e população portuguesa. Identificar as formas de relacionamentos bi-culturais, na sua pluralidade implica examinar os problemas teóricos para a concepção de níveis de relacionamento entre populações imigrantes e “nativas”, e este projecto visa ainda propor ou avaliar medidas de intervenção face a preocupação com a vulnerabilidade das mulheres imigrantes em Portugal, seja através de estratégias de reagrupamento familiar, na concepção dos relacionamentos bi-culturais (ultrapassando a visão criminalizadora da “conveniência”) como em programas que visam a diminuição dos estereótipos em relação ás mulheres brasileiras, marcadamente no que se refere à prostituição e sua sexualização.
Propomos analisar a complexidade dos processos de percepção da conjugalidade e as suas modificações na organização social, bem como avaliar os efeitos das representações sobre as mulheres brasileiras, seus impactos nos direitos cívicos, nas concepções de género, assim como na auto-representação que as imigrantes fazem de si próprias e sua mediação e inter-relacionamento com a sociedade de acolhimento. A noção de empowerment consciente e as dimensões estratégicas, bem como os laços afectivo-sexuais poderão fornecer indicadores para analisar a condição de género como factor de exclusão e/ou vulnerabilidade no contexto da imigração. Finalmente, pretendemos reflectir sobre os relacionamentos bi-culturais como produtores de diálogo intercultural ou como amplificadores de estereótipos e preconceitos; bem como verificar se os relacionamentos bi-culturais são estratégias de conveniência e se existe uma contra-estratégia dos “nativos”.
O contexto geográfico desta pesquisa situa-se nas áreas onde há maior concentração de imigrantes brasileiros, designadamente a Grande Lisboa, Setúbal e Algarve. A região do Porto ficará, por constrangimentos de ordem financeira, excluída da avaliação prevendo-se a sua avaliação numa fase posterior.

Equipa de pesquisa:
Professor Doutor Paulo Raposo (Coordenador científico)
Paula Christofoletti Togni (Investigadora Principal)